Recentemente, os figueirenses descobriram uma prática até então relativamente discreta que consiste na caça à raposa e ao saca-rabos. Esta prática é legal em Portugal entre os meses outubro e fevereiro, sendo permitido caçar estes animais à paulada e com ajuda de matilhas até 50 cães. Este ano já foi realizada uma batida à raposa na freguesia das Alhadas e estão agendadas outras batidas nas freguesias de Vila Verde e de Quiaios, com o apoio institucional das respetivas juntas. Os protestos contra esta prática no concelho da Figueira da Foz deram origem a uma petição pública que já ultrapassou os 2200 signatários, esstando marcadas concentrações para os locais de lançamento das batidas às raposas.
Em 2018, o Bloco de Esquerda, o PAN e o Partido Ecologista Os Verdes apresentaram projetos de lei para proibir a caça à raposa e ao saca-rabos e retirar os dois animais da lista de espécies cinegéticas. Os projetos lei foram rejeitados pelos grupos parlamentares do PSD, PS, CDS e PCP, sob o pretexto de que a legislação proposta não tinha em conta a realidade do espaço rural.
Outros argumentos têm surgido para justificar a caça à raposa e ao saca-rabos. Invocou- se especialmente o controlo da população destas espécies. Dados do Ministério da Agricultura dos últimos cinco anos não indiciam a existência de alguma praga de raposas no país, bem como foi apresentado um baixo número de registos de ataques de raposas com danos. Ademais, o controlo da população de raposas e de saca-rabos pode ser realizada por autoridades competentes, de uma forma mais eficaz e sem recurso a métodos violentos e que atentem aos ecossistemas. Entre as associações ambientalista há quem acuse alguns caçadores de invocarem o controlo da população destas espécies para aproveitar para eliminar concorrentes na caça às lebres e aos coelhos.
Esta prática de cariz assumidamente violento de espécies, que não servem de alimento aos seres humanos e nem constituem um especial perigo para as populações e bens, só tem justificação na teimosia de uma pequena minoria de indivíduos incapazes de questionar os seus atos e as práticas que lhe foram transmitidas, por pessoas menos com menos acesso à cultura e ao ensino, e que continuam a considerar esta atividade como cultura ou lazer. Estes indivíduos recusam uma verdadeira reflexão crítica em fase com os tempos que correm, recusam questionar se esta atividade faz parte dos nossos tempos, do século XXI, se este é um bom exemplo que estamos a transmitir aos jovens ou se é esta a relação que queremos para o futuro do planeta entre humanos e natureza?
*Texto de Rui Curado Silva
Publicado em LUX24 - 11 de fevereiro de 2020