Comemoram-se hoje os 42 anos da revolução iniciada com o 25 de Abril de 1974.
Dessa madrugada que impôs o fim, radioso e pacífico, do tempo das trevas, da repressão, das prisões e tortura, da guerra colonial, da censura, do obscurantismo, do analfabetismo, do subdesenvolvimento como modelo político e económico, dos oligopólios das seis famílias, do isolamento internacional…
E eis que, o que começou por ser um golpe militar, perpetrado por um punhado de capitães organizados em torno do Movimento das Forças Armadas, subitamente se transformou numa revolução popular, com milhões de portugueses a saírem às ruas para aclamarem e darem corpo ao exercício da liberdade e à democracia.
Foram dias empolgantes, estes, de libertação, de partilha, de solidariedade. De descoberta de um novo sentido para a vida. De sonho e de utopia. De amor e de entrega. Plenas!
Em que também Coimbra e o seu povo participaram, de corpo inteiro. Mas, sabemo-lo, para que isto acontecesse, (como dizia o Ary dos Santos) “foram não sei quantos mil”. E como também dizia Manuel Alegre, “Há sempre alguém que resiste Há sempre alguém que diz não”.
Coimbra conhecera a maior crise estudantil cinco anos antes. A que se iniciou com o 17 de Abril de 1969, com o Presidente da AAC – Alberto Martins – a ver negado o seu pedido de palavra em sessão presidida por Américo Tomás. E que culminou com a massiva adesão dos estudantes de Coimbra à greve a exames. E dessa luta toda guardamos memória viva.
Mas, passados estes gloriosos dias de ofensiva contra a ditadura, eis que a repressão se impõe e a resistência vacila.
Foi, então, a designada “incorporação especial” no serviço militar obrigatório de 49 estudantes ativistas, designados pelo regime de netão como elementos subversivos.
Foi, enfim, o início dos anos de refluxo que marcaram o período compreendido entre 1970 e o 25 de Abril de 1974.
E em que, o encerramento pelas forças da repressão da Associação Académica de Coimbra, em fevereiro de 1971, constituiu a perda duma barricada fundamental para a organização da luta estudantil.
Mas, mesmo em refluxo do movimento estudantil, a luta antifascista não parou. E é aos resistentes desse tempo que hoje, aqui, venho propor o render da nossa homenagem coletiva.
Aos 7 Estudantes presos e julgados no Tribunal Plenário do Porto, em Fevereiro de 1972: Fernanda Mateus, António Jorge Pais da Cunha, Luís Ramos, Jorge Seabra, Luís Carlos Januário, Joaquim Barbosa, José Vaz Teixeira
Homenagem, também, a todos os que organizaram e participaram no Congresso da Oposição Democrática de Aveiro, decorrido entre 4 a 8 de abril de 1973 e que culminou numa brutal carga policial durante a romagem ao túmulo do Mário Sacramento;
Homenagem aos candidatos integrados na lista do Movimento Democrático de Coimbra às eleições legislativas farsa, de Outubro de
1973: Jorge Seabra, Regina Cavalheiro, Flávio Laranjeira, Alfredo Misarela, Luís Carlos Januário, Victor Costa, António Campos, Romeu Cunha Reis.
E a tantos anónimos que deram corpo a lutas travadas em tantas frentes, desde o movimento sindical - organizados em torno da Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses -, à frente cívica, como sejam as campanhas de apoio aos presos políticos dinamizadas pela Comissão Nacional de Socorro aos Presos Políticos e, a nível mais local, a coletividades, com particular destaque para o Ateneu de Coimbra, o Clube de Cinema de Coimbra e, na cultura e movimento editorial, à revista Vértice, à editorial Centelha, à Unitas…
E aos que deram vida aos organismos autónomos da AAC: TEUC, CELUC, GEFAC, Coro Misto…
O CITAC fora entretanto encerrado pelas forças policiais. Homenagem, também, a um punhado de destacados militantes antifascistas de que recordo Manuel Lousã Henriques, Paulo Quintela, Fernando Vale, José Gomes dos Santos, Orlando de Carvalho, Joaquim
Namorado, Judite Mendes de Abreu, Alberto Vilaça, António Arnaut, Rui Clímaco, Pires da Rocha, Alexandre Gomes da Costa, Raúl de Sousa, Joaquim Serrão, João Vilar, Carolina César Anjo, Fernando Adão, Albano da Rocha Pato, o Sr. Amado, João Damasceno, Carlos Duarte… (as omissões, pois! Desculpem-me eventuais omissões).
E eis que, em 16 de Março de 1974, temos notícia da Revolta das Caldas em que cerca de 200 militares do RI 5 foram presos, tendo muitos deles sido libertados só em 27 de Abril de 1974.
Mas, seis semanas depois, sim, seis semanas depois, eis a alvorada radiosa: O 25 de Abril de 1974 - o fascismo fora derrubado!
Logo nesse dia é tomado o forte de Peniche pelos militares do MFA. E em 26 de Abril, em Coimbra, a Assembleia Magna convocada pela Comissão Pró-reabertura da AAC (CPRAAC) para os Jardins da AAC,
seguida duma concentração na Praça da República às 18 horas e que se dirigiu à Baixa onde foi substancialmente engrossada pelos populares. De forma não programada, dá-se o retorno da manifestação à Praça da República e eis que, em movimento espontâneo, rumou à PIDE. Foram 5ias de cerco popular às instalações que só terminou com a chegada em 28 de Abril dos paraquedistas, comandados por Franco Charais, e com a evacuação dos PIDES a caminho do presídio no dia 30 de Abril. Entretanto, os capitães Pereirinha e Pegado rumaram do quartel de Santa Clara com um punhado de militares, para engrossarem, em Leiria, as forças leais ao MFA.
Em 29 de Abril dá-se a tentativa abortada de encerramento da Universidade.
E eis-nos chegados ao 1.º de maio – Uma manifestação gigantesca rumou até ao Estádio Universitário onde foi aprovada, por aclamação, a nova Comissão Administrativa da Câmara Municipal: Rui Carrington da Costa (Presidente), António Portugal, Aurélio Santos, António Pereira Júnior, Ivo Cortesão, Octávio Lopes, Rodrigo dos Santos Ventosa, Manuela Leandro, Amílcar Carvalho e Licínio Costa.
A outros níveis, nos dias que se sucederam, a ocupação dos lugares- chave na região ia-se consumando:
Reitor da UC - Teixeira Ribeiro
Governador Civil - Luís Albuquerque
Comando da Região Militar do Centro - Franco Charais
Comando da Polícia de Segurança Pública - Major Lestro Henriques E foi a nível nacional:
Libertação dos presos políticos, fim da censura, desmantelamento da PIDE e das forças repressivas, independência das colónias, fim do serviço militar obrigatório, Escola para todos, Serviço Nacional de Saúde, nacionalizações, reforma agrária, eleições livres, poder local democrático.
Como marco inultrapassável de superação do fascismo e de consagração da democracia, ficou a aprovação da Constituição da República Portuguesa, em 2 de Abril de 1976, pela Assembleia Constituinte presidida por Henrique de Barros, também ele cidadão de Coimbra.
O resto da história não vo-la vou contar. Porque todos já a conhecem.
Por fim, permitam que faça aqui uma evocação muito especial para um amigo, também ele muito especial: o Miguel. O Miguel Portas, pois claro! Porque fez ontem 4 anos que ele nos deixou.
E eu sei bem como ele gostaria de estar aqui, hoje, connosco, a celebrar a unidade das esquerdas, a saudar a “geringonça” e a gritar em uníssono:
Viva o 25 de Abril!