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Pinguins e democracia

“Qual a semelhança entre os pinguins e nós? Vivem no gelo e não comem carne.” Nesta velha anedota, os romenos (cujo clima é muito rigoroso) troçavam da sua sorte omitindo que, ao contrário deles, os pinguins comiam peixe e não aturavam o Ceausescu. O ditador esmagou por décadas os seus concidadãos com salários de miséria e péssimas condições de vida – para exportar o mais possível.

Pela mesma altura o Japão afirmava-se como uma potência industrial exportadora e, apesar de uma taxa de câmbio extremamente baixa (imposta como vingança de Pearl Harbor), mantinha salários elevados e níveis de vida confortáveis.

Enquanto os romenos nem cheiravam da carne de porco que produziam, os japoneses garantiam a viabilidade económica de cada novo aparelho logo no mercado interno, as exportações constituindo verdadeira poupança.

Quer na Roménia, quer no Japão o desemprego era praticamente inexistente e a balança comercial era muito favorável. Mas enquanto na Roménia os salários baixíssimos e a quase inexistência de mercado interno arrastaram o país até hoje em situação precária, no Japão os salários elevados e o desenvolvimento da economia interna permitiram ao país erguer-se no pós-guerra e sobreviver às crises petrolíferas e bancárias.

Nos Estados Unidos, Henry Ford, que fez fortuna e contribuiu decisivamente para a economia do país reduzindo o horário de trabalho para 40 horas e mais que duplicando o salário para 5 dólares/dia, alertava que "em tempos de crise, cada um quer baixar os salários e baixar a proteção social, mas esta baixa dos salários agrava a crise! Por isso devemos ter regras coletivas para evitar que o dumping de um obrigue todos os outros a um dumping equivalente."

É bom de ver que nenhum país prospera quando não produz, quando uma parte considerável da sua mão-de-obra está desempregada. Medidas de combate ao desemprego são, como é sabido, a redução da jornada e dos dias de trabalho – exatamente o contrário do que o actual governo vem fazendo. O que demonstra qual o objetivo: reduzir a segurança social, aumentar a precariedade e o desemprego para fazer baixar os salários ao nível de há setenta anos.

Mas apenas combater o desemprego (como afirmou Seguro nas Jornadas Autárquicas) não é solução, se simultaneamente não houver uma valorização dos salários e uma significativa melhoria das condições de vida que estimulem o mercado interno, pois o grande perigo é a falta de rendimento levar à quebra da procura e à contração da produção. Dessa forma estaremos condenados a ser pinguins – inevitavelmente sem democracia.

Independente de Cantanhede, 26 de Junho de 2013