Como a minha família não é 100% luso-portuguesa, as férias são sempre uma oportunidade para partilhar o tempo com os familiares mais distantes, especialmente para o meu filho conviver com os avós. Pelas dinâmicas da propagação da Covid-19 e pelo fator de risco mais elevado a que estão expostas as pessoas mais idosas à doença, essas visitas aos avós foram este ano adiadas. As férias são passadas em casa com visitas esporádicas a museus, parques e roteiros, revendo os amigos da nossa “bolha” e praticando o desporto possível em tempos de restrições.
Mas a Covid é apenas um entrave menor às minhas férias. O entrave principal é o ambiente de hiper-competitividade a que estão sujeitos os investigadores nacionais, que fazem as nossas férias serem na realidade “férias”, com ou sem Covid. Este é o terceiro mandato sucessivo em que o ministério que tutela a ciência estabelece um ambiente tal que um investigador está a competir em permanência com os restantes investigadores.
Os investigadores, em regime low cost, competem anualmente por um contrato de seis anos para auferir uma remuneração correspondente ao seu nível, ou seja competem por um contrato que deveria corresponder à sua justa condição laboral, mas que para este ministro da ciência é visto como um prémio (que tem deixado de fora investigadores Prémio Pessoa, por exemplo) ao qual é dado o nome Concurso de Estímulo ao Emprego Científico. Uma designação irónica, para não dizer de mau gosto.
Depois de um dia de trabalho, em família, um investigador continua a competir. Quando um investigador se deita para dormir (alguns “dormem” em vez de dormir) está a competir. Como se pode imaginar, um investigador nunca tem férias, o que tem na realidade são “férias”, porque está a competir - os emails não param, nem param todos os outros tipos de solicitações. Este ambiente faz passar a Covid para segundo plano e para alguns colegas tem consequências reais na sua saúde. Nem os investigadores que estão a trabalhar na Covid espapam a este ambiente e cujo trabalho é fundamental nos dias que correm.
Publicado no "Diário as Beiras" - 20 de agosto de 2020