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A ilusão das coisas sem importância nenhuma

No dia 21 de Setembro várias pessoas, entre elas Eleonora Forenza, eurodeputada italiana, e Antonio Perillo, foram agredidas em Bari quando participavam numa manifestação anti-fascista. Os agressores são da Casa Pound, uma organização neo-fascista italiana. Há cerca de dois anos, estava com outro colega meu, Miguel Urban, e algumas dezenas de migrantes em frente ao Parlamento Europeu quando, vindos do nada, militantes do partido grego Aurora Dourada agrediram alguns dos migrantes e depois fugiram. Poderia seguir com exemplos sem fim. Onde quero chegar é à constatação de que a violência neofascista já está entre nós e que tem sido, basicamente, ignorada ou desvalorizada.

A extrema-direita que começou a reentrar timidamente no espaço político europeu no final do século passado, está agora, no início deste século, em clara fase ascendente. Casos de violência ocorreram em vários países europeus, como Polónia, Reino Unido, Grécia, Alemanha, Itália, França ou Espanha, e a impunidade continua a ser a regra. Essa constatação levou à aprovação, esta semana, de uma resolução no Parlamento Europeu tendo em vista a proibição de grupos neofascistas e neonazis, assim como fundações ou associações que exaltem e glorifiquem o nazismo e o fascismo.

A violência neofascista afecta a sociedade como um todo, mas é inegável que grupos específicas, como negros, judeus, muçulmanos, ciganos, nacionais de países terceiros, pessoas LGBTI e pessoas com deficiência são as mais martirizadas. Isso porque o projecto político da extrema-direita é o restaurar uma sociedade branca, heterossexual e patriarcal. A ilusão de que se trata de uma “coisa sem importância nenhuma” é apenas isso, uma ilusão. Na raiz deste projecto estão a defesa da repressão, a limitação das liberdades individuais e a obediência absoluta à autoridade personificada por uma figura ou um partido.

A legitimação e a naturalização destas propostas foi feita, muitas vezes, com a cumplicidade das principais forças políticas europeias, que achavam que “ocupando” o espaço da extrema-direita em matéria de política migratória abafavam os novos fascismos. Pelo contrário, não só lhes deram mais gás como lhes garantiram a legitimidade que precisavam.

No início da década de 1930, e apesar de Hitler ter defendido em "Mein Kampf" e em muitos discursos qual era o seu plano para o poder - que passava por abolir o sistema democrático da Alemanha de Weimar, limpar a social-democracia e o comunismo e ver-se livre dos judeus da Alemanha - várias actores políticos e figuras públicas relevantes continuavam a afirmar que não havia razão para alarme. No seu diário, a 30 de Janeiro de 1933, Nikolaus Sieveking, escreveu que achava que “considerar a chancelaria de Hitler como um evento extraordinário é infantil o suficiente para deixar esse sensacionalismo para seus leais seguidores”. Não foi sensacionalismo, foi uma tragédia. Os dias que correm são diferentes, mas alertar para os perigos do crescimento dos fascismos não é um exagero, é uma obrigação. É a obrigação histórica de quem não quer cometer os mesmos erros.

Publicado no “Diário de Notícias” - 28 de outubro de 2018