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Esta segunda-feira

Parece que amanhã é que é, lá sairemos do procedimento por défice excessivo. É o que dizem de Bruxelas e é o que têm de fazer em Bruxelas. As regras, os períodos e os indicadores são definindo por Bruxelas e retirar Portugal do procedimento por défice excessivo é apenas resolução de uma enorme injustiça. Injustiça porque, em 2016, e como bem nos lembramos, houve um tratamento muito diferenciado dependendo dos países. Na altura, Portugal não podia sair e teve de enfrentar ameaças de sanções porque era Portugal. França, com um défice mais elevado nem tinha de tremer, ficava livre porque era a França. 

Esta segunda-feira, confirmando-se o que se espera, teremos uma boa notícia. Não tem sido frequente mas vamos tendo algumas nos últimos tempos. 

No entanto, não exageremos os festejos. Não porque não seja bom festejar, que é, mas porque os poderes de Bruxelas não deixaram de impor-se. Alarga-se um bocadinho mais o espaço de respiração, o défice previsto nos próximos anos fica abaixo dos 3% e prevê-se crescimento na economia portuguesa, mas não se levanta a mão pesada. Manter o défice nos valores actuais, muito abaixo dos 3%, tem enormes custos para nós, traduz-se na manutenção de cortes inaceitáveis na saúde e na educação e na impossibilidade de avançar com uma política de investimento. 

Por outro lado, manter toda a pressão sobre o défice e nada fazer em relação aos excedentes elevados de alguns países, como é o caso da Alemanha, é continuar a cavar o caminho de divergência que tem sido o padrão da União Europeia e que, em última instância, levará a um reforço da desagregação que já vivemos. Num mercado tão integrado como o europeu, os défices de uns são o espelho dos excedentes dos outros, mas Bruxelas não quer saber nada disso.

Sem solução continua ainda o problema da dívida, insustentável no caso de Portugal, e isso não é um problema menor. Basta o BCE decidir mudar de política quanto ao programa de compra dos títulos de dívida pública dos países do sul e teremos um problema, e bicudo, para resolver. Trata-se do problema formal do défice aos olhos de Bruxelas, mantém-se a instabilidade em relação à dívida. 

Sabemos bem que a política é muito mais do que o espaço da formalidade. Os gregos sabem-no bem. Foi, aliás o BCE e as suas políticas fora do quadro formal, que conduziram à Grécia à situação em que esta hoje, nenhuma solução à vista, austeridade sem fim e um povo massacrado. 

A juntar a isto, o Tratado Orçamental continua lá, a condicionalidade macroeconómica (a tal das sanções também), a austeridade continua a ser a regra e as reformas estruturais não mudaram de natureza.

É por estas e por outras que as boas notícias de Bruxelas vêm sempre acompanhadas de um mau presságio. Tudo o que se conseguiu de positivo para a economia e a sociedade portuguesas no último ano e meio-fio o que se decidiu fora das imposições de Bruxelas. Isto tem de ter algum impacto nas avaliações que são Sao feitas e no que se pode esperar de futuro. Manter a pressão em relação a Bruxelas, continuar uma política de recuperação e redistribuição de rendimentos, defender os serviços públicos é tão importante hoje como era há um ano e meio. 

São boas notícias, claro que sim. Preparemo-nos para mais, exijamos mais, não fiquemos à espera sob pena de serem usadas como um pretexto para dar com uma mão e tirar com a outra. A chantagem nunca foi boa conselheira. Conseguir sair do procedimento é apenas mais um sinal de que, em matéria de política económica, desobedecer a Bruxelas compensa. E ainda falta tanto. O caminho faz-se caminhando.

Publicado no Beira News - 21 de maio de 2017