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É TÃO DIFÍCIL GOVERNAR, JÁ LEMBRAVA BRECHT…

Não vos vou falar de um problema “lá da terra”. A prestação de cuidados hospitalares em Coimbra é um problema do país e toca diretamente em 2,3 milhões de pessoas. Falemos, portanto, deste problema nacional.

A Ministra da Saúde anunciou que a nova maternidade em Coimbra será localizada no espaço dos Hospitais da Universidade. Tomou partido. Entre os adeptos da localização dessa unidade num polo hospitalar cada vez mais saturado e os defensores da sua localização no polo dos Covões, tão clinicamente diferenciado como aquele apesar do inexorável processo de desqualificação a que tem estado sujeito desde as ordens troikistas de 2011, Marta Temido decidiu contra os Covões. 

Justificou a decisão com a retórica da inevitabilidade. Eram muitos pareceres, muitos estudos, todos de gente ilustre, claro, todos com uma tecnicidade do melhor que há, pois então, a fazer inclinar a decisão para o lugar saturado (na verdade a maior ou menor saturação – de cuidados hospitalares e de fluxos de pessoas e de tráfego – não foi assunto de que tratassem os ínclitos pareceres). Não havia como decidir de outra forma, informou a Ministra. 

O que daqui se retira é que a Ministra da Saúde não escolheu, carimbou. Pôs o carimbo em estudos que deram prevalência a um critério, certamente estimável e relevante, e não a outro critério, certamente tanto ou mais estimável e relevante que aquele. Por exemplo, o critério de robustecimento do estatuto clínico do Hospital Geral dos Covões, o critério da estratégia de valorização da disponibilidade de dois hospitais centrais altamente diferenciados em Coimbra.

Para delapidar essa valia imensa de dois equipamentos com cultura de excelência e com oferta de cuidados hospitalares ao mais alto nível nacional e internacional, para desqualificar um e hipertrofiar o outro, os sucessivos titulares da pasta da saúde nunca precisaram de estudos nem de pareceres. Todo o processo de fusão entre os Hospitais da Universidade e o Hospital dos Covões foi conduzido com base em achismo” puro – os Conselhos de Administração “acharam” que devia haver concentração de um lado e esvaziamento do outro e os Ministérios da Saúde olharam de longe, com aquela neutralidade que é apanágio de quem toma partido sem dizer que o faz.

Estamos a pagar as vistas curtas da Troika e dos troikistas internos, que fizeram da fusão de hospitais uma expressão da sua política danosa de compressão e desqualificação dos serviços públicos – e do SNS em especial. Ora, o que se joga em Coimbra, nestas decisões, é a qualidade e a robustez do SNS. E, desse ponto de vista, as decisões erradas são umas atrás das outras. Há quem ganhe com isso – a força crescente das unidades hospitalares privadas em Coimbra atesta-o bem.

Publicado no "Diário as Beiras" -  10 de Novembro de 2020