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Consensos

A Guiné Equatorial, a mais duradora ditadura africana, tornou-se, na última quarta-feira em Díli, membro de pleno direito da CPLP numa decisão tomada “por consenso”. O consenso foi tanto que o ditador Obiang integrou a mesa de líderes e a “foto de família” antes da reunião onde o debate e a votação deveriam ocorrer. Nem esta fantochada, nem a tortura e execução de prisioneiros (apesar da “moratória”, sugerida por Portugal, à aplicação da pena de morte), nem a ausência da língua portuguesa até dos documentos oficiais, nada moveu Cavaco, Passos ou Machete, cobardemente agachados atrás da decisão “por consenso”, a demarcarem-se da redução da CPLP a um cartel de negociantes de hidrocarbonetos.

Os consensos são óptimos quando exprimem a concertação resultante do confronto e discussão de argumentos de diferentes pontos de vista, apresentados por quem debate com lisura e a partir de posições equilibradas de poder.

Mas o termo consenso é frequentemente aviltado, sendo utilizado quer para propalar preconceitos (por definição, irracionais e discriminatórios de alguém), quer para impor (pela força, ainda que invisível) interpretações da realidade.

Quando os nossos governantes alijam as suas responsabilidades como integrantes de um colectivo, não estão apenas a ser cobardes. Estão a reforçar a narrativa das inevitabilidades (enquanto intimamente almejam que lhes pingue alguma coisa, por ajudarem nos negócios).

Estes “consensos” podres em que nos querem embalar num silêncio resignado e cúmplice requerem a nossa vigilância crítica, clamam pela nossa intervenção corajosa: não, as coisas não são como nos querem fazer crer; não, não é verdade que nada possamos fazer!

Apenas um exemplo, candente. Está em curso um massacre na faixa de Gaza, sob a designação de “conflito”. Para haver conflito seria preciso haver pelo menos dois beligerantes e danos e baixas bilaterais. O que efectivamente ocorre é um morticínio e uma destruição sistemática sem precedentes, levados a cabo por Israel contra população civil indefesa e sem ter para onde fugir, onde os mortos civis já ultrapassam largamente o milhar (mais de um quinto sendo crianças), os feridos e desalojados são muitos milhares, bairros inteiros em escombros. Os jornalistas internacionais foram formalmente intimados por Israel a não irem à faixa de Gaza, pois a sua segurança não estaria garantida. Se se tratasse realmente de um conflito, o risco não seria equivalente em ambos os territórios? E os jornalistas, tal como as populações civis, principalmente mulheres e crianças, hospitais e escolas não teriam que ser especialmente protegidos, em vez de serem os alvos?

Não, não se trata de mais um episódio de um longo conflito que ninguém consegue pacificar. Do que se trata é de um extermínio, de uma limpeza étnica.

E então, continuamos a crer que não há nada a fazer?