Acho salutar e importante o exercício de comparar a nossa terra com outras terras, no espírito da obra de Italo Calvino que serve de título a esta crónica. Intencionalmente, vou descrever exemplos fora de portas.
Saint-Malo, em França, é uma cidade lindíssima, que assumiu por completo a sua atlanticidade, a força bruta das ondas e do vento, uma cidade que se agarra ao mar e o mar à cidade. Há uma identidade vincada que se consolidou através de um cuidado notável pela natureza e pelo urbanismo. Saint-Malo cidade são 45 mil habitantes, atingindo os 100 mil com os subúrbios. Apesar de a taxa de desemprego não ser baixa (um mal de toda a França), há uma percentagem elevada de emprego qualificado e muito qualificado, imagine-se, ligado ao mar… Saint-Malo vive do mar, da pesca à cultura e transformação de peixe, passando pela investigação dos fundos marinhos e produção de químicos e farmacêuticos de derivados da flora e fauna marinhas, ou pela alta competição à vela em alto mar, ou ainda pela produção de energias alternativas. Entramos numa loja e está lá sempre um elemento a ligar-nos ao mar. Nas pastelarias há bolos com formas de peixinhos. Os figueirenses que conheço, que por lá passaram, são homens do mar que ficam com um brilhozinho nos olhos quando descrevem Saint-Malo. Não deixa um figueirense indiferente, temos tanto a aprender se tivermos a oportunidade de passar por lá uma temporada.
Quando penso em praias atlânticas, gosto muito da solução holandesa. Deram espaço à praia e às dunas para atenuar a energias das ondas, evitando aflições. Gosto em particular de Noordwijk (42 mil habitantes) onde fica a sede tecnológica da Agência Espacial Europeia. Quando penso onde se pode petiscar numa peixaria (não confundir com cervejaria), de pé, em plena rua, ou sentado saborear uma refeição de peixe fresquíssimo, penso no mercado de peixe de Seattle nos EUA, onde surgiu o primeiro Starbucks (não meti lá os pés). Enquanto abria umas conchas, acompanhadas de um vinho e de umas notas de jazz ao ar livre, pensei “podíamos fazer isto na Figueira”.
Publicado no "Diário as Beiras" - 28 de janeiro de 2021