Share |

Aprendemos com a primeira vaga? O caso dos tribunais

Equivoca-se quem ache que os hospitais são os lugares do combate à pandemia. Antes deles estão todos os outros espaços em que o contágio é fácil: as escolas, os transportes coletivos, os lugares de culto, as repartições. Os tribunais também. Por isso, a decisão aprovada pelo parlamento de suspender os prazos para a prática de atos e diligências de processos que corram nas diversas instâncias do poder judicial é uma medida avisada.

Já o tinha sido na primavera passada. A preservação da saúde de todos os operadores judiciários e dos particulares que recorrem aos tribunais tem de ser a prioridade das prioridades. Deixando de fora da suspensão aquilo que disser respeito a processos urgentes, a paragem, a desobrigação de ir a tribunal, consagração de uso de plataformas digitais para a realização de vários atos processuais são medidas certas. 

Isto dito, impõe-se perguntar relativamente aos tribunais o mesmo que, e bem, perguntamos sobre o Serviço Nacional de Saúde: face ao que aconteceu em março e face à previsão da dimensão da segunda vaga, o Governo preparou os tribunais para uma nova fase de quase paragem? A resposta é não. Aponto duas demonstrações de que assim foi.

A primeira é a de que se mantêm todas as insuficiências de segurança sanitária dos funcionários judiciais. Eles/as são quem, nos tribunais, está mais exposto ao contágio pela falta de programação de atividade que assuma o teletrabalho como regra. Isso tinha ficado claro na primavera. Mudou alguma coisa de então para cá? Não, não mudou. É absolutamente inconcebível que persistam agora as mesmas falsas justificações para criar exceções à regra do teletrabalho. E é igualmente fundamental que aqueles funcionários que garantem os serviços presenciais (diligências, atendimento, serviço externo) sejam considerados como funcionários essenciais para efeitos de vacinação.

A segunda demonstração de falta de uma estratégia preventiva diz respeito aos advogados, solicitadores e agentes de execução. As medidas agora propostas pelo governo vão significar um regresso aos meses em que um número enorme destes profissionais ficou privado de grande parte do seu rendimento sem que nem o Estado nem o seu sistema previdencial – a CPAS – tivessem adotado medidas e apoio social idênticas às assumidas para os demais trabalhadores independentes. É absolutamente inadmissível que se repita agora a situação de desproteção que se verificou na primavera passada. A CPAS e o Governo têm de garantir que nenhum advogado, solicitador ou agente de execução ficará sem apoio ao seu rendimento neste quadro de regresso a um quase encerramento dos tribunais.

Publicado no "Diário as Beiras" -  2 de fevereiro de 2021