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Uma reforma estrutural

O grau de civilização de um povo mede-se pelo modo como são tratados os seus detidos”. Este dito é sábio. O que cada sociedade faz do seu sistema prisional, o investimento que aplica na ressocialização de quem infringiu normas básicas, a capacidade que cria de trazer de volta às relações sociais quem as violou gravemente é algo que diz do acerto das hierarquias de prioridades – e, portanto, de afetação de recursos – de uma sociedade. 

Em Portugal, a lonjura dos/as presos/as das vidas e dos olhares quotidianos da sociedade entretida consigo mesma faz com que o que se passa nas prisões seja um tabu. As prisões são um objeto subtraído quase por completo ao escrutínio democrático. Ora, a verdade é que o sistema prisional português é hoje um dos lugares de maior indignidade da nossa sociedade, onde a ressocialização é um horizonte quimérico, onde a saúde e a privacidade são lesadas sem rebuço e em que as condições para a perpetuação da vida criminal campeiam. 

Não falo já das conhecidas práticas de violência e de maus tratos nas prisões que continuam a dar a Portugal lugar nos relatórios críticos das organizações de defesa dos direitos humanos. Não preciso de chegar tão longe, basta-me a condição quotidiana das prisões fora desses extremos indignos. É que o que não são extremos também carece de dignidade suficiente. O ciclo de suborçamentação do sistema prisional – quer na sua vertente de edificado quer na de corpo de guardas prisionais – conduziu-nos a uma sobrelotação gravíssima das prisões, com um excesso de mais de 1500 detidos/as relativamente às capacidades máximas do sistema. Se a isso aliarmos o défice crónico de guardas prisionais – estimado em mais de mil guardas – a conclusão não é difícil: o Estado de Direito e a promoção humana não tem meios para ser uma realidade nas prisões portuguesas. 

Desde os cuidados de saúde ou diligências judiciais que são adiados por falta de guardas que acompanhem os detidos até à inviabilidade de ministrar cursos aos detidos ou ao encerramento de oficinas, passando pela insalubridade e inabitabilidade de boa parte do parque prisional português, tudo desqualifica o que devia ser um lugar de ressocialização e de recuperação do respeito pela dignidade própria e dos outros. 

Fazer chegar o Estado de Direito e os direitos humanos de todos às prisões portuguesas é o que realmente se poderia chamar uma reforma estrutural.

Publicado no Diário As Beiras  - 6 de fevereiro de 2016.