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Patriotismo, democracia e bom senso é partir o muro do Tratado Orçamental

Este debate sobre o orçamento para 2017 confirma o que todos sabíamos: a direita, justiça lhe seja, mantém-se absolutamente fiel ao seu programa de enriquecer empobrecendo, de crescer encurtando, de aumentar direitos diminuindo-os. Pudesse e cumpriria esse programa custasse o que custasse. Nós aqui estamos, determinados, para o impedir. 

A direita mantém-se fiel, justiça lhe seja, à convicção de que não há alternativa a esse seu dogma fanático. E, por ser assim, a direita foi anunciando o diabo em cada mês que passou. Dogmático que é dogmático não faz a coisa por menos – se não se fizer o que o dogmático acha, é porque é obra de belzebu. 

A verdade é que desde 2015 é a direita que vive enredada nos seus fantasmas diabólicos. E o maior dos diabos que inferniza a vida da direita é a que continue a vigorar uma política de recuperação de rendimentos pelos de baixo. A direita tolera muitas coisas, mas isso não. Contra todos os vaticínios do PSD, do CDS e da sua claque de comentadores encartados, este é o segundo orçamento que acrescenta rendimento aos de baixo. É esse o diabo que tanto atormenta a direita. 

E o desempenho das bancadas da direita e da extrema direita parlamentares aqui ontem foi, senhoras e senhores deputados, com toda a franqueza, penoso. Nem uma ideia, nem uma proposta, nem um lampejo de ambição, nada, só lamúria, só remoques pessoais, só jogo político e, mais que tudo, só nostalgia do tempo em que a direita cortava a eito em direitos e em serviços públicos.

No debate até agora, houve um silêncio estranho e é sobre ele que, em nome do Bloco de Esquerda, quero intervir. Debater este orçamento sem o referenciar às chamadas regras europeias é ocultar o dado essencial do problema económico e orçamental português. Sigamos o raciocínio do europeísmo resignado: 1. temos que cumprir as regras do Tratado Orçamental para nos ser reconhecida credibilidade; 2. o cumprimento do Tratado Orçamental leva-nos a poupar, poupar, poupar, até chegarmos aos 5.276 milhões de euros de saldo primário; 3. poupar, poupar, poupar significa falta de toner e de papel nas impressoras das repartições públicas, significa não contratação de pessoal indispensável para os tribunais, significa prisões a apodrecer a que não se consegue dar resposta, significa hospitais e centros de saúde levados ao limite da sua capacidade para um desempenho que os seus profissionais quereriam fosse muito melhor, significa não poder ter uma recuperação de rendimentos para os de baixo à altura das suas necessidades num país como o nosso; 4. depois de tudo pago, e com 5.000 milhões de saldo positivo, esbarraremos nos 8.000 milhões de euros de juros de uma dívida que nos sufoca. Conclusão do raciocínio do europeísmo resignado: poupamos para nos endividarmos, ou seja, poupamos mesmo só para empobrecermos. Esta espiral sem fim do empobrecimento toma o país como refém. Patriotismo, democracia, bom senso é partir este muro.

Um país refém de quem usa contra ele esta chantagem não ganha credibilidade obedecendo e jogando as regras que o levam a ser refém. Importa conseguir um juro mais baixo, certamente, mas sem reestruturarmos a nossa dívida – como o faria qualquer ator económico razoável e como aceitaria qualquer credor razoável – não há baixa decimal dos juros que nos valha.

Acresce, senhoras e senhores deputados, que a União Europeia não se porta como um ator razoável nem como uma pessoa de bem. O extremismo do absurdo das regras antieconómicas impostas discricionariamente é a Europa realmente existente. Sermos cordiais com isto não é ganhar credibilidade, é deixarmo-nos aprisionar. 

Salvo o Luxemburgo, nenhum Estado cumpre as regras do Tratado Orçamental. Mas há os que são premiados por isso e os que são punidos por isso. A Alemanha do Senhor Schäuble viola grosseiramente as regras acumulando excedentes. Mas, claro, a Alemanha é a Alemanha. A França de François Hollande nunca cumpriu a regra do limite do défice mas, com a compreensão de que só os bons amigos e companheiros de façanha são capazes, a Comissão chefiada Durão Barroso e Jean-Claude Juncker aceita acordos informais, secretos ou não, para que se maquilhem as contas e tudo pareça aquilo que não é. Claro: a França é a França. 

Quer dizer, quem manda pode incumprir grosseiramente as regras e tudo lhe é perdoado. Para Portugal sobra a permanente perseguição contra qualquer sonho de ter uma banca pública que não seja privada travestida de pública, para Portugal sobra a espada das sanções sempre pendente sobre cada décima do deve e do haver. Enquanto não marcarmos a nossa relação com a União Europeia com a recusa desta indignidade que é os fortes tudo poderem e os mais fracos só poderem ser chantageados, cada discussão de um orçamento arrisca-se a ser um exercício menor de contagem de tostões porque os milhões, esses já têm destino traçado. 

Este é o segundo orçamento que recupera rendimentos para os de baixo. Agora, é imperativo recuperar investimento. Sabemos que isso nos põe em confronto com os mandadores de uma Europa que faz do benefício dos de cima a sua razão de ser. O Bloco não faltará a esse confronto. Em nome de uma democracia mais forte.