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O coro dos defuntos

A Figueira é certamente a cidade com mais prémios Leya por metro quadrado. Vencedor em 2015, “O coro dos defuntos”, de António Tavares, oferece-nos um retrato de uma pequena aldeia da Cova da Beira, nos anos que precederam o 25 de Abril. 

Não é um retrato Kodak; trata-se de um retrato bem retocado a pastel. As vivências, fantasias e mitos da aldeia são descritos através de um intenso vocabulário popular – com minidicionário anexo – atingindo paradoxalmente níveis de erudição que ultrapassam as próprias personagens.

A aldeia, paralisada no tempo, é recorrentemente confrontada com a contemporânea conquista do Espaço: o Sputnik, o programa Apollo, os primeiros passos na Lua, etc. Um oportuníssimo paralelo, embora aqui e ali demasiado informado para época. O isolamento físico, apenas quebrado pela emigração e pela guerra colonial, ilustra o suicídio a prazo daquela aldeia, mas que se estendia a todo um país cuja juventude partia para França, para a América e para o ultramar. Estamos no período de maior emigração e de maior abandono das regiões rurais. O projeto de Salazar e Caetano, pautado pela pequenez, pela ignorância e pelo isolamento, destruiu parte da esperança da juventude e, em particular, comprometeu a renovação social do interior do país.

Um dos grandes méritos de António Tavares é relembrarnos de uma forma original e inteligente esse país que prescindia dos seus jovens.

 

Publicado no Diário  As Beiras - 17 de março de 2016.