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Laura

A luta pelos direitos humanos nunca deu direito a prémio nem a promoção. Deu, quase sempre, direito a ter uma vida pessoal, familiar e profissional estragada. Os/as ativistas dos direitos, aqueles/as que lutam teimosamente pelo reconhecimento ou pela preservação de formas de sociabilidade mais dignas e justas são vistos pela sociedade como incómodos, estorvos à tranquilidade social.

Laura Ferreira dos Santos foi uma ativista pelos direitos humanos. Bateu-se determinadamente pelo reconhecimento do direito a uma morte rodeada das condições mínimas de dignidade que só o/a próprio/a pode definir para si mesmo/a. Fê-lo escrevendo, polemizando, debatendo, agitando consciências, organizando movimentos e tendo palavras pessoais para quem com ela partilhava perplexidades e angústias. Em obras como Ajudas-me a morrer? A morte assistida na cultura ocidental do século XXI desconstruiu com erudição a blindagem de uma cultura médica e cívica que persiste em tratar criminalmente o ‘sim’ de um profissional de saúde ao doente que lhe pede ajuda para cumprir a sua decisão de pôr termo a uma existência que perdeu já para si os requisitos mínimos de dignidade.

O combate de Laura Ferreira dos Santos foi e é de uma enorme dificuldade. São sempre assim os combates pelos direitos humanos. Até chegarem ao patamar do reconhecimento social, os direitos são tidos como extravagâncias ou como simples violações da lei. E, contra eles, os conservadores de todos os matizes, invocam sempre a falta de consenso, o respeito pela cultura ou a perenidade de valores ancestrais. 

Foi com a consciência de que é assim que Laura Ferreira dos Santos se bateu. Não fez carreira nem foi socialmente promovida assente nisso. Mas foi valente na defesa da morte assistida como expressão da dignidade para todos/as. A maneira como se exigiu a si mesma combinar tenacidade com inteligência e com sensibilidade é uma lição para todos/as os/as ativistas pelos direitos humanos. 

É esse caminho que se impõe prosseguir. A inclusão da morte assistida no leque de escolhas possíveis (e legítimas, por isso) para quem, numa situação de doença incurável e numa condição de sofrimento insuportável, entende, livre e conscientemente, que a sua vida deixou de ser ter condições mínimas de dignidade, é algo que se impõe trazer para o plano dos direitos, regulando com rigor e com determinação essa possibilidade.

Como acontece a todos os ativistas pelos direitos humanos, esta luta de Laura Ferreira dos Santos foi contra a lei. Está na altura de abrir a lei às suas razões. 

Publicado no Diário As Beiras - 26 de dezembro de 2016