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Estabelece a amnistia pelo incumprimento de pagamento de propinas universitárias por comprovada carência económica e introduz a isenção total de propinas no ano letivo de 2013/2014

Exposição de motivos

Os números ainda preliminares de bolsas no ensino superior concedidas este ano letivo são dramáticos. No final de janeiro de 2013, das 67 385 candidaturas analisadas (de um total de 76 439), 22 416 tinham já sido indeferidas, ou seja, 33,3%, segundo os dados da Direção Geral do Ensino Superior (DGES).

A lamentável decisão deste governo de condicionar o acesso às bolsas de estudo mediante a situação contributiva das famílias, algo a qual os estudantes não têm qualquer responsabilidade, representou por exemplo, na Universidade do Porto (UP) e no Instituto Politécnico do Porto (IPP) entre 12% a 14% de indeferimentos. Significa isto que, se esta tendência se verificar a nível nacional, mais de 3 mil estudantes ficaram sem bolsa de forma injusta, sobretudo tendo em conta o contexto de empobrecimento deliberado, de desemprego e de enorme aumento de impostos, onde rapidamente uma família entra em incumprimento fiscal.

Esta é uma situação para a qual o Bloco já apresentou, aliás, diversas soluções, nomeadamente com o Projeto Resolução n.º 467/XII, que recomenda ao Governo que a atribuição de bolsa e outros apoios de ação social escolar no ensino superior tenha em conta os rendimentos reais dos agregados familiares dos estudantes. Ou seja, recomenda ao Governo sensatez e sentido de responsabilidade, a falta dos quais, no entanto, se revela na maior causa para justificação de indeferimento: o aproveitamento universitário.

De facto, para efeitos de deferimento de pedido de bolsa, o atual ministro aumentou para 60% a valoração dos critérios de aproveitamento e mérito. E, no entanto, não alterou os atrasos crónicos verificados nas atribuições de bolsas que, no passado ano letivo, obrigaram os estudantes a aguardar até maio de 2012 para receberem as bolsas devidas, com efeitos desastrosos no seu aproveitamento. Ora, são hoje precisamente esses estudantes que veem os seus pedidos de bolsas indeferidos, sendo este já motivo de 30% dos indeferimentos na UP, e 50% no IPP, uma tendência que significa 6 mil estudantes sem bolsa neste ano letivo por falta de aproveitamento.

Contra critérios destes não há empreendedorismo que resista. A sangria do ensino superior significou menos 11 mil estudantes no ano letivo de 2011/2012, e calculam-se já em mais de 20 mil os estudantes obrigados a desistir dos estudos por razões financeiras. O governo obrigou a ação social escolar a falhar na altura em que é mais necessária. Exigem-se, por isso, respostas alternativas.

As propinas são hoje um dos maiores embustes à democracia e ao futuro das novas gerações. Marçal Grilo, Ministro da Educação do XIII Governo Constitucional, diz hoje sem vergonha aquilo que não disse por vergonha em 1997: [a introdução de propinas no ensino superior] era claramente inconstitucional. O responsável máximo pela reintrodução das propinas segundo critérios ainda hoje utilizados admite que foi tudo um truque de mau-gosto para enganar a Constituição, para enganar a democracia.

Olhemos por isso para o Acórdão n.º 148/94 - processo n.º 530/92, do Tribunal Constitucional (TC), acórdão que permitiu ao então primeiro-ministro Cavaco Silva introduzir o sistema de propinas que hoje é norma. Este acórdão é uma leitura da Constituição da República que o Bloco de Esquerda não sanciona mas que, dada a sua centralidade nesta questão, merece análise atenta, pois revela que mesmo a análise altamente permissiva dos conceitos de universalidade do ensino, gratuitidade progressiva e igualdade que o TC adotou foi já largamente violada pelos sucessivos governos e pelo atual em particular.

O TC atribuiu reservas e limites vários ao aumento de propinas em 1993. Nomeadamente atribuiu um limite ao esforço financeiro da respetiva universidade a que os estudantes poderiam ser submetidos e que não deveria ultrapassar, no máximo, 25% dos custos correntes e de investimento da respetiva universidade. Aliás, neste ponto em particular o TC declara que precisamente a possibilidade de as propinas ultrapassarem essa relação percentual já em 1994/1995 era inconstitucional: (…) poderia ainda dizer-se que a percentagem assim encontrada representa o limite razoável dentro do qual se poderá falar da lógica constitucional da possível gratuitidade do ensino superior e não da lógica do pagamento parcial dos custos do ensino superior pelos respetivos utentes.

Mas, se isto é assim, e para o ano letivo de 1992-1993 não traduz colisão com a norma constitucional em causa, já há colisão para os anos letivos de 1993-1994, 1994-1995 e seguintes, mas apenas no ponto em que a percentagem para a determinação do montante das propinas pode ser fixada acima de 25%. É o que acontece no ano letivo de 1993-1994, em que a variação vai de 20% a 40%, e nos anos letivos de 1994-1995 e seguintes, em que a variação vai de 25% a 50%. Em tal segmento, e concluindo, a norma do artigo 6.º, n.º 2, conjugado com o artigo 16.º, n.º 2, da Lei das Propinas, viola a norma do artigo 74.º, n.º 3, alínea e), da CRP.

Ou seja, o entendimento do TC não só não permite tornar os estudantes a fonte de financiamento principal do ensino superior como não permite que as propinas representem mais do que 25% dos seus custos e investimento.

Pode-se considerar que, até 2011, ano em que o Estado investiu €1.093 milhões no ensino superior e politécnico e recebeu 252 milhões em propinas, se tenha respeitado esta matriz constitucional com um rácio de 23%. No entanto, em 2012, esse limite é ultrapassado por completo, sendo os estudantes responsáveis por 37% dos €859 milhões transferidos pelo Estado para as universidades e politécnicos, num total de €317 milhões de propinas pagas por estudantes. Não fosse a ironia uma constante, existem universidades que financiam já 50% do seu orçamento através de propinas, nomeadamente a Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.

De todos os erros e inconstitucionalidades que a imposição de propinas no ensino superior acarretou, talvez o mais incompreensível e irracional seja a indexação do seu aumento à taxa de inflação, pois, em tempos de crise a relação entre o rendimento disponível das famílias e os seus encargos torna-se impossível de gerir.

Segundo o estudo Quanto custa estudar no Ensino Superior Português? orientado pela Professora Luísa Cerdeira, no ano letivo 2010/2011, o rendimento mediano por agregado familiar em Portugal situa-se nos €8.823. Paralelamente, os custos diretos (propinas) e indiretos (habitação, comida e transporte, etc.) de cada estudante no ensino superior situava-se nos €1934,83 e €4,689,62 respetivamente. Ou seja, as famílias usaram 22% do seu rendimento para pagar os custos diretos de educação universitária mais 53% para os custos de vida, isto é, 75% do rendimento mediano das famílias portuguesas é absorvido pelos custos com ensino superior.

E o quadro não melhora tomando em consideração os apoios sociais concedidos pelos serviços de ação social que, em conjunto com as deduções fiscais no IRS, reduzem apenas para 63,6% o esforço financeiro das famílias, longe dos 26,4% na Alemanha, dos 35,2% em França, dos 19,2% na Suécia ou os 38,5% na Letónia.

Portugal é assim o terceiro país europeu com ensino superior público mais caro. Uma situação perigosa tendo em conta que desde 2010 que as remunerações desceram quase 10%. Segundo o Instituto Nacional de Estatística, no 3º trimestre de 2012, o salário médio situava-se nos €805, mais de duzentos euros abaixo da propina máxima que se prepara para subir mais €30 no próximo ano letivo, ano em que os rendimentos das famílias irão novamente descer. Uma situação vergonhosa em termos europeus, tendo em consideração que na Alemanha não só as propinas máximas são mais baixas do que as propinas mínimas em Portugal (€500 contra €630), como a grande maioria das famílias e estudantes alemães está isenta do seu pagamento.

Por outro lado, o desemprego afeta já 16,9% dos cidadãos, uma situação que, aliada aos cortes e burocratização do acesso à Ação Social do Ensino Superior, atirou milhares de estudantes para o incumprimento dos encargos com propinas e, em muitos casos, para a desistência dos cursos que frequentavam.

Os números falam por si. Segundo dados tornados públicos pelo Conselho de Reitores das Universidades Públicas, na Universidade do Porto, dos 32 mil estudantes, 1600 não conseguiram pagar propinas em 2011/2012; na Universidade do Minho, de 19 mil estudantes, 4 mil têm propinas em atraso; na Universidade de Aveiro, cerca de 4 mil dos 15 mil estudantes estão na mesma situação; na Universidade de Coimbra, mil estudantes têm propinas em atraso; na Universidade do Algarve, 14% dos 7 mil estudantes está em incumprimento, dos quais 157 anularam já a matrícula em protesto contra as propinas.

Portugal é hoje um país onde o risco de pobreza afeta 42% da população antes de transferências e apoios sociais. Números que se agravam de dia para dia e aos quais os estudantes não são alheios. Nesta perspetiva, é importante afirmar que a isenção de propinas, sem prejuízo do investimento normal das universidades, é uma arma central para a recuperação económica. Liberta recursos para as famílias e estudantes e evita processos burocráticos insustentáveis.

Perante esta situação de emergência social exigem-se respostas claras que não tentem esconder e adiar o problema. O Bloco de Esquerda propõe com esta iniciativa uma amnistia extraordinária, aplicável a todos os estudantes cuja situação financeira não permita continuar os seus estudos e aos quais o governo tem consistentemente falhado em dar respostas concretas. Não faz sentido exigir aquilo que manifestamente os estudantes e as famílias não podem pagar, provocando única e exclusivamente um crescendo incontrolável de incumprimentos e desistências. Importa realçar que a execução das medidas propostas não alteram os rácios orçamentais nem exigem modificações de gastos que se revelam não comportáveis no quadro dos limites de despesa aprovados.

Propõe também uma isenção das propinas a aplicar no ano letivo 2013/2014 a todos os estudantes universitários, garantindo o reequilíbrio entre os rendimentos reais das famílias e o acesso sustentável das novas gerações ao ensino universitário.

Projeto de Lei em anexo