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O défice, visto da Escola José Falcão

Ouvem e leem, todos os dias, que Portugal conseguiu um resultado ‘brilhante’, ‘único’, ‘histórico’ mesmo, na contração do défice das contas públicas. Percebem que a disciplina das contas públicas é recomendável porque quanto menos défice menos pressão sobre a dívida. Mas, gente habituada a fazer as perguntas difíceis, questionam que preço terá este brilhantismo e para que servirá em concreto. E logo descobrem que o tal brilhantismo é associado ao cumprimento das regras europeias: somos brilhantes porque cumprimos o que Bruxelas quer que se cumpra. E porque, dizem os opinadores encartados, um défice curtinho dá confiança aos mercados.

Mas os alunos, os pais, os funcionários e os professores da Escola Secundária José Falcão, em Coimbra, não precisam de esmiuçar detalhadamente esse discurso do brilhantismo dos números do défice para descobrir as imensas fragilidades do dito. Não é que seja gente desconfiada ou com má vontade. Não, é gente que se limita a olhar para a sua Escola e que perguntará: para que serve um défice controlado, se nem assim nos são dadas condições para ter uma escola a funcionar com condições de dignidade? “Populistas!” – já oiço bradarem os comentadores encartados. “Derrotistas!”, acrescentam os eufóricos dos 2,1%. E eu digo: não, apenas gente razoável.

As mantas que os alunos levam de casa para poderem estar nas salas de aula no inverno, as infiltrações de humidade um pouco por todo o edifício, a degradação dos laboratórios, os constantes remendos na rede elétrica e nas canalizações, a impraticabilidade e a insegurança do ginásio – isso é o preço da falta de uma intervenção estrutural num edifício com 80 anos de uma escola com um património de outros 100 na formação de gerações sucessivas para o conhecimento e a cidadania.

O investimento público cortado para que o défice fique dentro dos limites exigidos por Bruxelas não é uma abstração, é a falta de resposta à degradação da José Falcão e de tantas outras escolas, é o funcionamento de unidades de saúde aquém das nossas necessidades, é a falta crónica de funcionários judiciais, é a incapacidade de recuperar um parque penitenciário indigno, etc. etc..

Os alunos, os pais, os funcionários e os professores da Escola Secundária José Falcão, em Coimbra, sentirão por certo os hossanas e os hinos cantados aos números do défice com fundada estranheza. Uma escola com as condições indispensáveis para um ensino à altura do seu inestimável prestígio exigiria que não tivesse sido assim. O país precisa mesmo que não seja mais assim.

Publicado no Diário As Beiras - 18 de fevereiro de 2017