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Mensagem sobre o Dia Mundial de Teatro: Gostamos do que fazemos

Tão perverso quanto aproveitar as efemérides para anunciar boas notícias ou fazer discursos emocionais, desligados do que praticam no resto do ano, é deixarmos que nos roubem o sentido da comemoração.

Importa pois resistir à descrença e ao cinismo e levantarmo-nos, também hoje, para lembrar e fazer lembrar o lugar do Teatro na vida das comunidades em lugares onde imperam a opressão, o medo, o ódio, a guerra, e em lugares, como Portugal, onde as lutas pela liberdade, pela igualdade de oportunidades, pelo acesso ao conhecimento, pelo direito à diferença, pela democracia, continuam a ser necessidades e tarefas quotidianas.

Há áreas profissionais em que é mais fácil do que noutras disfarçar o cansaço ou a falta de gosto pelo que se faz. Na arte e no Teatro em particular é praticamente impossível, tanto para quem se expõe de forma extrema à frente de outros, como para quem, fora de cena, orienta os seus passos para que tal exposição aconteça.

Gostamos muito do que fazemos e sabemos bem quão arriscado pode isso ser, quantos amargos de boca e aflições de fim de mês isso nos provoca, quanta incerteza e precariedade isso ajuda a perpetuar, em nome de uma vontade que não desaparece, de uma necessidade que vem de dentro e se nos impõe. São elas - vontade e necessidade - que nos impelem a continuar e nos animam nos dois grandes e indissociáveis combates para os quais permanecemos convocados: a democratização do acesso à arte e o respeito pelos direitos de quem nela trabalha.

Previsto na Constituição, o direito à criação e à fruição artística, que incumbe ao Estado garantir, tem sido assumido de forma envergonhada e demasiadas vezes ostensivamente negado aos cidadãos. Mantêm-se por isso como urgências: reconhecer a importância das diferentes expressões artísticas na formação e na vida das pessoas e do que isso contribui para, enriquecendo e diversificando as leituras do mundo, criar comunidades informadas, críticas, abertas e participativas; definir e concretizar políticas que respondam a essa necessidade, resolvendo a insuportável e insultuosa descoincidência entre os discursos de circunstância e as práticas governativas, nas várias áreas de intervenção do Estado.

A secundarização do direito à arte no conjunto dos direitos da população fragiliza-o ainda mais perante as pressões para o recuo do Estado Social com que estamos confrontados. Numa área em que o investimento público e a regulamentação são fundamentais para garantir a democratização do acesso e combater as tendências para a mercantilização e para a homogeneização, a insuficiência da acção do Estado repercute-se de imediato nas condições de trabalho dos profissionais do sector. Quarenta e cinco anos depois da Revolução de Abril, é inaceitável que subsistam (e em alguns casos proliferem) os níveis de sub-financiamento e de desregulamentação como os que marcam as artes do espectáculo em Portugal.

Os profissionais desta área, em particular os que trabalham em Teatro, serão hoje elogiados pela sua resil... (recuso-me a escrever a palavra, carregada de inconsequência e de desresponsabilização de quem tem o poder de transformar as coisas).

É certo, contudo, que nos mantemos entusiasmados, prontos para continuar a dar o nosso contributo. E capazes de nos organizar, também através deste Sindicato - reivindicando níveis mínimos de estabilidade nas relações contratuais, salários e horários justos, regulamentação de carreiras, segurança no trabalho e investimento público condigno; apresentando propostas e dispondo-nos a trabalhar em conjunto com as entidades oficiais.

Reafirmá-lo hoje, a propósito do Dia Mundial do Teatro, é uma forma de o celebrar, entre colegas de profissão e com os públicos.

Gostamos realmente muito do que fazemos e isso é um privilégio, nosso e de quem vive connosco o Teatro. Não abdicamos dele, mas também não admitimos que seja usado para diminuir nenhum dos nossos direitos.

Publicado em CENA-STE - 27 de março de 2019