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A energia da saúde ou o poder do dinheiro

Os donos disto tudo têm no negócio da energia e no negócio da saúde os seus campos de ação privilegiados. É nestes dois setores que a natureza rentista do seu poder económico tem maior expressão e maior alcance em Portugal. Não surpreende, por isso, que os grupos que dominam o negócio da energia e o negócio da saúde não tenham o mínimo pejo em impor linhas vermelhas ao poder político para acautelar que nada de essencial muda para eles. A disputa pelo poder mais fundo na sociedade portuguesa passa hoje pelas decisões que forem tomadas nestes dois domínios. É neles que se faz o teste do algodão de um governo de esquerda.

A sobre-remuneração de que beneficiou a EDP com a atribuição dos contratos de aquisição de energia em 1996 e com a sua substituição, em 2004, pelos CMEC (Custos de Manutenção do Equilíbrio Contratual) orça os 2,4 mil milhões de euros, graças ao regime de garantia de potência, às tarifas garantidas às renováveis e à extensão das concessões hídricas em 16 barragens. O caso das renováveis, em concreto, é particularmente expressivo de como este regime de favorecimento da EDP se abate sobre os consumidores: se os preços praticados em Portugal fossem os preços médios praticados pela empresa nos mercados estrangeiros, os portugueses teriam pago menos 400 milhões de euros por ano à EDP-Renováveis.

Tocar neste imenso poder acumulado pela EDP – não tanto no dos milhões em si, mas naquele que fez com que eles fossem ‘naturais’ ou até mesmo ‘justos’ – é tão ousado como era, há meia dúzia de anos, tocar no poder do Grupo Espírito Santo.

Na saúde, os custos suportados pelo Estado – ou seja, por todos nós – com as PPP anda na ordem dos 500 milhões de euros anuais. Este é o número que concretiza a Lei de Bases da Saúde, aprovada por maioria simples em 1990, quando estatui que cabe ao Estado apoiar a iniciativa privada em saúde. Reverter esta situação em favor do erário público e do Serviço Nacional de Saúde é algo sacrílego para o poder dos donos disto tudo. Foi isso que António Arnaut e João Semedo discerniram e foi esse combate contra a tomada do SNS pelo Grupo Mello, pelo grupo Lusíadas e pelo grupo Luz Saúde que os juntou. Que o PS tenha impedido o Governo de se juntar a este combate junta-o a ele a esses grupos e aos seus interesses.

O que se joga hoje na saúde e na energia é essa escolha essencial entre um Estado ao serviço dos grupos económicos e um Estado ao serviço dos cidadãos. E a política define-se cada vez mais em função do lado desta escolha em que cada força se posiciona.

Publicado no "Diário As Beiras” - 27 de abril de 2019