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Do passado, presente e futuro dos políticos

A crónica do deputado do PSD, Nuno Encarnação, publicada no Diário As Beiras do passado dia 12 e intitulada “Políticos podem ter passado?” é a expressão clara de uma das mais graves patologias da democracia portuguesa. O deputado, filho do ex-Presidente da Câmara de Coimbra, Carlos Encarnação, enumera diferentes variantes de “passados de políticos”: aqueles que não têm passado ou experiência profissional – o que os sujeita ao epíteto de boys; aqueles que tiveram uma experiência governativa que, subsequentemente, conduziu a postos em empresas privadas ligadas ao sector em que estiveram politicamente activos; aqueles que foram constituídos arguidos ou acusados pelo Ministério Público. Para o deputado, “um político provém sempre do voto popular. Tem direito a errar como os outros que nele votam. Mas tem sempre uma mira apontada”. Com toda a naturalidade e sem o mínimo desplante, Nuno Encarnação condena não estes políticos, mas a justiça que os investiga ou os jornalistas que os denunciam.

Caro deputado: o passado dos políticos não só pode como deve ser escrutinado pelos que neles votam e pelo poder judicial. Exigem-no normas básicas da democracia: a transparência, a responsabilidade e o respeito pela lei. E o passado dos políticos deve ser decisivamente marcado por duas características: a competência demonstrada por formação, experiência ou trabalho realizado; e a ética demonstrada por um respeito absoluto pela coisa pública.

Caro deputado: Tem razão quem denuncia a ausência de uma carreira profissional e um passado construído nas juventudes partidárias como uma distorção perversa de um sistema político que promove pessoas sem o mínimo contacto com a realidade e sem qualquer competência para o exercício das funções a que se candidatam. Infelizmente, é este sistema das “jotas”, onde os respectivos membros pouco mais aprendem do que mover-se em redes de trocas de favores, compadrios e apadrinhamentos, que tem promovido grande parte dos titulares de cargos políticos dos partidos do arco do poder (PSD, CDS-PP, PS). E é também esta aprendizagem que faz com que deputados como Nuno Encarnação encarem como natural a ocupação de lugares em empresas acabadas de privatizar pelos mesmos políticos que as privatizaram – a rotação entre cargos públicos e grandes empresas privadas que constitui o trajecto de vida dos políticos do centrão em Portugal. Não se trata de um percurso “lógico”, mas sim de uma promiscuidade inaceitável com o poder económico que mina as bases fundamentais da democracia, e que inclui, em geral, crimes graves como a corrupção.

Esquece-se, estranhamente, o deputado Nuno Encarnação de uma outra forma de passado dos políticos que tem vindo a minar a nossa democracia. A conversão dos partidos políticos em verdadeiras dinastias com direitos sucessórios. Seria deputado o sr. Encarnação se, porventura, não ostentasse esse apelido? Que competências profissionais possui que atestem a sua capacidade para o cargo? De que iniciativa legislativa ou intervenção de monta se pode orgulhar durante os anos em que exerceu essa função?

Preocupou-se em mostrar o que vale, através de trabalho efectivo em prol dos cidadãos do distrito que o elegeu? Em Coimbra, Nuno Encarnação permanece desconhecido, sem passado e sem presente. O futuro, esse, será garantido com toda a probabilidade nalguma empresa privada, por pertencer a uma dinastia do PSD, com os respectivos padrinhos e compadres, à falta de diploma universitário obtido a um domingo ou por equivalências numa universidade privada. À semelhança dos políticos de que fala, com tanta irresponsabilidade, na sua crónica. Há, de facto, uma mira apontada sobre estes passados, estes presentes e estes futuros. E é assim mesmo que tem de ser, numa democracia digna desse nome.

As Beiras, 21 de Fevereiro de 2013