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As diferentes agendas da luta contra a corrupção

Na corrupção como no futebol, há os distritais, a primeira liga e a champions league. E também há as manobras de diversão do costume. As principais são duas: focar a vozearia nos distritais para deixar em silêncio a champions e culpar os árbitros de todo o mal para atiçar paixões justiceiras que deixam os mentores discretos da corrupção atuar em descanso.

O combate à corrupção tem a venalidade do funcionário de secretaria ou do fiscal camarário como objeto privilegiado? Pode ter em casos concretos. Mas uma política consistente de combate à corrupção tem que ter outra ambição. Tem que saber alcançar os que, na sombra dos gabinetes do poder (do poder político, do poder empresarial, do poder comunicacional), desenham políticas de aplicação geral – e elaboram até leis para as legitimar – que lhes garantem acumular ganhos de vária ordem. Os ganhos materiais, claro. Mas, com eles, o ascendente social e político que perpetuam e tornam opacos os mecanismos de que jorra o ganho económico.

Em Portugal, as dinastias empresariais cresceram à luz de estratégias assim. O rentismo e a sustentação dos negócios privados com dinheiros públicos - desde os monopólios dos tabacos ou dos mercados coloniais até às parcerias público-privado e às privatizações – foram sempre os sistemas de captura do Estado pelos interesses privados, desviando-o da função de defesa do interesse público que devia ser a sua. Os donos disto tudo são, por isso, os rostos da corrupção como política. E, também por isso, não há combate eficaz à corrupção se se ficar pelo peixe miúdo que dribla uma secretaria e não ganhar condições para atingir o graúdo que faz das grandes políticas nacionais a sua ferramenta para enriquecer.

As rendas da energia são um dos pontos em que se condensa esse mundo da champions league da corrupção nacional. Ao longo de quase duas décadas, uma elite empresarial dotou-se de leis, de contratos, de logística e de profissionais especializados nessas artes para esmifrar a cada um de nós um excedente de que se alimentou uma concentração imensa de riqueza nas mãos… dessa elite. Para isso, fez-se de tudo, e a colocação de peões em sucessivos Governos foi apenas uma expressão mais desavergonhada do tanto que se fez. Trazer ao conhecimento público as teias de que se tem feito esta política é, pois, um passo decisivo para atacar a corrupção lá onde ela é mais poderosa e mais difícil de erradicar. É jogar na Champions e não deixar que nos desviem para o entretenimento da corrupção dos distritais.

Publicado no "Diário As Beiras” - 12 de maio de 2018