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Dia de santa sardinha à tarde

Em plena época de santos populares, a sardinha assada, outrora uma refeição de pobres, é o prato principal de festas e de arraiais. Consumida em quantidades desmesuradas, a sardinha congelada é encomendada de outras paragens, de Espanha por exemplo, para satisfazer as necessidades das festividades, porque a quantidade que chega às lotas locais é manifestamente insuficiente. São conhecidos os longos períodos de defeso a que está sujeita a sardinha e as difíceis condições dos pescadores, no entanto continuamos a pagar a sardinha a preços que não entram em linha de conta estas dificuldades. Infelizmente, certos distribuidores e cadeias de venda a retalho continuam a tratar com displicência este excelente alimento, como se fosse infinito, poupando nos métodos de conservação, no controlo de desperdício e impondo preços aos produtores como se a sardinha fosse um produto banal, produzido em série.

Apesar de a sardinha ser uma espécie com ciclos de reprodução rápida, não há milagres. A sua reprodução depende da quantidade de biomassa disponível no interior do mar para a alimentar. Cada ciclo de reprodução depende diretamente dessa biomassa e da biomassa que retiramos do mar durante cada época de pesca. A sardinha que chega ao nosso prato não volta a realimentar o sistema, ao contrário das que terminam o seu ciclo de vida no mar. O estado atual é crítico, a pesca da sardinha vive de uma gestão de stocks muito precária baseada em longos períodos de defeso.

Ainda hoje ouvimos responsáveis políticos a criticar o controlo do número de embarcações imposta em toda a Europa. No tempo do meu avô, pescador da Costa de Lavos, o mar tinha muito mais abundância de pescado e de diversidade de espécies. Hoje resta praticamente apenas a sardinha, o carapau e a cavala, o resto existe em muito menor quantidade. Se tivéssemos mantido o número de embarcações europeias no Atlântico poderíamos estar na situação da Grécia ou da Córsega, onde se esvaziaram os mares. A faixa da nossa costa com nutrientes para alimentar a fauna marinha resume-se à placa continental submersa, que são apenas algumas milhas. As extensas e profundas placas oceânicas são consideravelmente estéreis e com muito pouco interesse para a pesca.

Se não cuidarmos desta arte, em breve sardinha poderá ser sinónimo de nunca e aos dias São João, Santo António e São Pedro poderemos juntar o dia da Santa Sardinha à Tarde…

Publicado em LUX24 - 1 de julho de 2019