Começaram 160 em 12 de outubro, em San Pedro Sula, nas Honduras. Eram já mais de 1000 no dia seguinte. Dez dias depois eram 7.000. Caminham das Honduras, da Guatemala e de El Salvador rumo ao México e aos Estados Unidos e fogem do desemprego, da fome, da falta de horizontes para as suas vidas, da violência extrema dos gangs e das maras.
A estas caravanas, que se repetem desde 2010, o povo chama via crucis do migrante. Porque geralmente partem durante a semana santa (esta é a segunda caravana deste ano). Mas também porque são realmente calvários de sede, de fome, de desidratação, de brutalização por bandos criminosos. E, no entanto, eles/as vão. Porque, dizem, irem juntos os/as protege. E sobretudo porque as suas vidas castigadas já não têm mais nada a perder.
Em campanha eleitoral, Donald Trump ameaçou fechar as fronteiras – “we are building the wall, be sure of that”, clamou para os fiéis do credo da America great again – e enviou milhares de soldados para a fronteira com o México, ao mesmo tempo que ameaçou cortar todas as ajudas aos países de trânsito da caravana. A turn-back policy, mais musculada ou mais legalista, é um sinal dos tempos.
Completam-se dentro de dias 70 anos sobre a aprovação da Declaração Universal dos Direitos Humanos. E importa lembrar que foi sobre multidões de “pessoas supérfluas”, como lhes chamou Hannah Arendt, que se escreveu esse texto fundador de um sistema de proteção internacional dos direitos humanos expressivo do princípio de que “nunca mais”.
Lembrar, sim. Porque a força dos trumpismos é a amnésia. Lá na origem da Declaração Universal dos Direitos Humanos está a realidade dos Estados que, em vez de serem os últimos garantes dos direitos dos seus, se tornaram em algozes das liberdades em nome da raça, da orientação sexual, da opinião política, do género ou do estatuto social.
A via crucis de judeus, comunistas, ciganos ou homossexuais na Alemanha Nazi gerou um sobressalto moral internacional contra a asfixia dos direitos. As multidões que fogem da chacina e da fome na fronteira com os Estados Unidos ou no Mediterrâneo são hoje o nome primeiro dos direitos humanos. Tratá-las com tropas e chamar-lhes ‘invasão’ ou trata-las com direitos e chamar-lhes gente é uma escolha essencial. É a escolha entre os direitos humanos e o colaboracionismo no seu espezinhamento.
Publicado no "Diário As Beiras” - 10 de novembro de 2018