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A concertação anti-social

O governo tomou posse há pouco mais de um ano. Herdou problemas gigantescos: um país dilacerado pela austeridade, uma economia de rastos, um sistema financeiro preso por arames. A “saída limpa”, sabemo-lo hoje, foi um dos maiores embustes da nossa história democrática. Desde que tomou posse, o executivo de António Costa foi e continua a ser confrontado com problemas que lhe vão sendo colocados pela herança da direita ou pelas instituições europeias.

É por serem tantos e tão graves os problemas que são colocados a este governo por outros que custa tanto a perceber porque é que resolveu acrescentar mais alguns. Primeiro, foi a desastrosa nomeação de António Domingues para a CGD. Agora, a novela absolutamente desnecessária da redução da TSU dos patrões que, tudo o indica, morrerá na Assembleia da República.

O Bloco de Esquerda e o Partido Socialista celebraram um acordo que garante um aumento de mais de 20% do Salário Mínimo até 2019. Esse acordo corrige uma injustiça grotesca dos governos anteriores que mantiveram o salário mínimo congelado e, portanto, a perder valor real, durante anos a fio. Esse acordo obteve o acordo da CGTP e constitui uma peça crucial de decência na política de rendimentos em Portugal.

Foi nesse momento que o governo decidiu complicar. Em vez de aplicar o conteúdo do acordo firmado, que tinha apoio parlamentar garantido e, portanto, toda a legitimidade democrática, resolveu “compensar” os patrões pelo aumento do salário mínimo através de uma redução da TSU. Resta saber porquê. Os aumentos em causa visam compensar a perda de valor do salário mínimo ao longo das últimas décadas. A verdade é que o salário mínimo tem hoje menos valor do que tinha depois de ser aumentado a seguir ao 25 de Abril. E isto para não falar do aumento de produtividade, inteiramente absorvido pelos patrões. Não há nada para compensar.

Fica o argumento do consenso social, que é um argumento intermitente na sociedade portuguesa. Durante todos os anos em que o salário mínimo esteve congelado, o consenso social não foi preciso para nada. Dois governos estiveram-se nas tintas para a concertação social e congelaram o salário mínimo. Fim de conversa. Que medidas foram aprovadas nessa altura para compensar os trabalhadores pela perda de salário real? E que consenso social se conseguiu agora? 

 

A CGTP, a única estrutura representativa dos trabalhadores digna desse nome pôs-se fora do acordo, e bem. Os parceiros do PS, que garantem a estabilidade deste governo, foram ignorados e opõem-se à proposta. O PSD, com quem o governo eventualmente contaria, já tirou o cavalinho da chuva. O que ficou? Uma enorme trapalhada. Vieira da Silva podia ter sido o protagonista de uma medida de elementar justiça social. O ministro (e o governo que o apoiou) só se pode queixar de si próprio. Para exibir o apoio dos patrões em Bruxelas arrisca-se a ficar com uma enorme derrota na lapela.