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Bunker anti-fuga ao fisco

Reza a lenda que o empresário de futebol Jorge Mendes desejou oferecer um contributo às populações vítimas dos incêndios de 2017, tendo contactado pessoalmente a Associação das Vítimas do Incêndio de Pedrógão Grande. Uma das obras a realizar é um abrigo para altas temperaturas e ventos ciclónicos a ser construído em Ferraria de São João, em Penela. Jorge Mendes ofereceu-se para financiar este abrigo anti-fogo. Teoricamente, a generosidade é de louvar. As populações necessitam de ajuda e atenção. Jorge Mendes, milionário e um dos homens mais ricos do país, está disponível para ajudar. O preço estimado deste abrigo é de cerca de 200 mil euros.

O problema é que Jorge Mendes e a esposa estão a ser investigados pelo fisco português e pelo fisco de outros cinco países europeus por ter recebido dividendos de cerca de 100 milhões de euros e supostamente não os ter declarado. Os rendimentos relativos a contratos de cedência de imagem de desportistas (casos em que os clientes da Gestifute de Jorge Mendes têm sido condenados) são taxados em cerca de 20% ou mais, dependendo do país. Ora, 20% de uma evasão fiscal de 100 milhões são cerca de 20 milhões de euros. Uma módica quantia que dá para custear não um, mas 100 bunkers anti-fogo. É caso para dizer que o contribuinte precisa de um bunker, não anti-fogo, mas sim anti-fuga ao fisco.

Por muito que as generosas intenções de Jorge Mendes possam ser genuínas, não escapa à legítima suspeita de estar a tentar branquear a sua imagem através de uma pequena quantia comparativamente aos impostos que deveria pagar. É por isso de lamentar a generalidade das peças de reportagem que foram escritas sobre o abrigo anti-fogo sem o mínimo espírito crítico em relação às verdadeiras intenções de Jorge Mendes.

Para cúmulo, o serviço público de televisão tem dado um bónus fenomenal ao negócio da Gestifute através de entrevistas e de reportagens exageradas cujo assunto principal é a suposta extraordinária valorização de mercado de jogadores portugueses representados pela empresa de Jorge Mendes. Nenhuma empresa beneficiou da promoção do serviço público que obteve a Gestifute recentemente relativa a dois dos jogadores que representa. A Taça das Nações teve o condão de escrever direito por linhas tortas e revelar o exagero em que o serviço público de televisão embarcou na promoção destes dois futebolistas de Jorge Mendes.

Publicado em LUX24 - 17 de junho de 2019